TICs e alfabetização, o desafio do ovo e da galinha
Estudo aponta que apenas 14% dos analfabetos funcionais utilizam as TICs
Portal
Porvir
O Indicador
de Alfabetismo Funcional (Inaf), publicado pelo Instituto Paulo Montenegro, organização
social mantida pelo Ibope, e pela Ação Educativa, divulgou dados que mostram
estreita correlação entre a alfabetização e a utilização das tecnologias de
informação e comunicação, as TICs. Pelo estudo, 73% das pessoas funcionalmente
alfabetizadas usam esses recursos, mas esse valor é de apenas 14% quando se
trata de analfabetos funcionais. Diante desses números, chega-se ao velho
desafio do ovo e da galinha, mas agora no ambiente da educação: a pessoa é
menos alfabetizada porque tem menos acesso às TICs ou tem menos acesso às TICs
porque é menos alfabetizada?
“Não dá
para definir ao certo o que vem primeiro, mas são dois fenômenos muito
relacionados”, diz Fernanda Cury, consultora do Instituto Paulo Montenegro. O
Inaf entrevistou uma amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos
para avaliar as habilidades em leitura, escrita e matemática, e as classifica
em quatro níveis de alfabetismo: os analfabetos e os alfabetizados em nível
rudimentar, que são considerados analfabetos funcionais, e os alfabetizados em
nível básico e em nível pleno, que são considerados funcionalmente
alfabetizados.
Apesar de
especialistas ouvidos pelo Porvir concordarem que se trata de um
processo que se retroalimenta, eles consideram que o uso das TICs acaba sendo
uma oportunidade de aprimorar o letramento. “O grupo dos analfabetos funcionais
ou o de alfabetismo básico, embora tenha um repertório inferior ao grupo dos
alfabetizados em nível pleno, faz uso da internet para a realização de um bom
número de atividades, confirmando o potencial das TICs para o desenvolvimento
das habilidades de alfabetismo”, destaca a análise produzida pela equipe do
instituto. Tanto é assim que entre considerados analfabetos funcionais que
fizeram buscas na web, 53% procuraram informações em sites de produtos e
serviços – como endereços, trajetos e diversão –, ou em enciclopédias,
atividades que exigem certo grau de desenvolvimento cognitivo.
Ainda de
acordo com os dados do Inaf, entre os analfabetos funcionais que utilizam as
TICs, 69% disseram usar os recursos para enviar mensagens instantâneas, 65%
para participar de redes sociais e 64% para enviar e receber emails, três
opções diretamente relacionadas com a interação entre os indivíduos. Para
Rodrigo Scama, fundador do Instituto Faber-Funden, especializado em tecnologia
e educação, esses números fazem todo o sentido porque as TICs hoje são uma
forma de inserção social para todos os grupos da sociedade. “A pessoa se sente
alijada se não está nesse meio virtual, no Orkut, no Facebook. Quando ela
entra, ela está buscando se socializar, encontrar semelhantes.”
Para o
especialista, que é também historiador, a sociedade vem sofrendo com a perda de
espaços de sociabilidade, obrigando as pessoas a trocarem o bate-papo na
esquina pelo online. “Ele sente necessidade de interagir e, por isso, entra
nessa rede.” Acontece, afirma ele, que essa rede exige habilidades de leitura e
escrita, e a pessoa acaba tendo que se adaptar. “Mal comparando, é a mesma
lógica do que acontece com o aprendizado de inglês. Para entender o que está na
internet, muita gente acaba se forçando a aprender ou a arranhar a língua”,
afirma.
Maria do
Rosário Mortatti, presidente da Sociedade Brasileira de Alfabetização e
professora na Unesp em Marília, também considera que as TICs têm potencial para
a promoção de práticas de letramento, uma vez que ajuda a dinamizar e tornar
mais agradáveis as atividades de ensinar e aprender e também propicia a
compreensão ativa de alguns usos e funções sociais da leitura e da escrita. No
entanto, ela alerta que o recurso, apesar de importante, é apenas uma dentre as
muitas possibilidades de compreensão dos sentidos da leitura e da escrita: “no
contexto da sociedade da informação, a utilização das TICs pode ser um bom
começo, ou um bom meio; nem de longe, porém, representa um fim para os que de
fato se ‘apropriaram’ ou desejam se apropriar da língua escrita”, diz.
Números gerais
Números gerais
O Inaf
apresenta dados gerais sobre o alfabetismo funcional no Brasil desde 2001 e, a
cada ano, traz um recorte especial. Desta vez, o assunto em foco foi o uso das
TICs entre os entrevistados. Nesta edição, que completa uma série histórica de
10 anos de pesquisa, há boas e más notícias. Enquanto o analfabetismo funcional
caiu de 39% para 27%, a proporção dos que atingem um nível pleno de habilidades
de leitura, escrita e cálculo permaneceu praticamente inalterada na última
década, sempre em torno dos 25%.
De acordo
com Ana Lúcia Lima, diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, esses
números revelam que o Brasil vem conseguindo melhorar os níveis iniciais da
alfabetização, dado muito relacionado à universalização do acesso à escola, mas
peca na qualidade desse acesso. “Os dados são muito interessantes pois, de um
lado, mostram avanços importantes na redução do analfabetismo absoluto e no
nível rudimentar e, de outro, revelam que a proporção de pessoas que atingem o
nível pleno de alfabetismo está estagnada há 10 anos. Só vamos conseguir
avançar daqui pra frente com mais qualidade, pois as possibilidades de futuros
avanços fruto da quantidade (de pessoas na escola, de anos de estudo) já
estão se esgotando”, afirma.