A ESCUTA MUSICAL COMO CONTEÚDO DE APRENDIZAGEM
Carlos Silva
Pensar sobre
o que diferencia os eventos que dão título a este texto é uma tarefa que pode
oferecer boas pistas de como tratar o trabalho de musicalização na educação
infantil. O uso ordinário e cotidiano destas expressões acaba por plasmar as
nuances de significados que podem colorir uma reflexão e, sobretudo, nossa
vivência com barulho, ruído, som e silêncio.
Nesse
momento, o silêncio será preterido para que possamos centrar um pouco mais
nossa atenção sobre os outros elementos, muito embora seja quase que unânime a
noção da dependência entre eles. Aliás, o silêncio é quase sempre concebido
como a ausência de algo. Seria um exercício instigante pensá-lo como a presença
de algo que não o que normalmente se entende como seu oposto, isto é, uma
manifestação sonora qualquer.
Interessante
perceber nos encontros de formação cujo tema foi “escuta ativa e exploração
musical” que, de uma maneira geral, as expressões “barulho” e “ruído” carregam
uma conotação de incômodo, muito frequentemente associadas a distúrbios
quantitativos em relação à expressividade ou organização de linguagem,
consequentemente indesejável e, tanto quanto possível, evitável. Ao passo que a
expressão “som” traz uma imagem positiva ou, no mínimo, de concessão. No
entanto, do ponto de vista da definição da física acústica qualquer fenômeno
acústico é som, seja o resultante da execução de uma melodia de Bach ao violino
ou o de uma britadeira num canteiro de obras. Por outro lado, um toque de
celular com a melodia do Carinhoso de Pixinguinha que irrompe em meio a uma
sessão de meditação pode constituir um ruído traumático e pesaroso.
Desenvolver
e alimentar essa discussão com as professoras nos encontros foi muito
controverso, porém, produtivo. A produção sonora das crianças na educação
infantil está comumente vinculada a barulho e ruído, e som, via de regra, é
relacionado a algo exterior à produção delas. Nos relatos das professoras é
bastante constante a menção ao som da música do CD, dos passarinhos, dentre
outros. Por em foco que na contemporaneidade a produção musical é
contextual foi revelador, principalmente quando pensamosna importância de
assumir a expressão sonora da criança como sendo potencialmente musical, desde
que seja realizado um trabalho consistente de observação que fundamente propostas
planejadas de intervenções que levem ao desenvolvimento da sensibilização
musical.
Os trabalhos
pessoais sobre o desenvolvimento dos temas propostos nos encontros de formação
revelaram evidências do tema acima exposto. As próprias participantes reconheceram
que, subliminarmente, tratam a questão dessa maneira. A professora Ana Paula F.
Manocchi Molinari do CEI Parque das Paineiras conclui uma reflexão sobre a
proposta de trabalho de exploração sonoro-musical da seguinte maneira: “O CEI
tem uma limitação no tempo, consequência da rotina. O que não pode permanecer é
o pensamento a respeito da bagunça, do barulhoe, muitas vezes, que as crianças
não vão conseguir realizar as atividades plenamente”. No entanto, ao relatar o
desenvolvimento da mesma atividade em outra parte do Trabalho Pessoal, ela se
refere da mesma forma ao que as crianças estavam fazendo:
“Feita a
roda de conversa iniciamos a distribuição de materiais, que na verdade
gostaríamos que tivessem sido escolhidos pelas crianças, (...). Eles fizeram
bastante barulho! Quando comentamos esse aspecto no encontro, ela mesma
percebeu que esta passagem é difícil de ser conscientizada e assumida de
maneira consequente. Nem mesmo a dimensão positiva é fácil de ser consciente.
Ela mostrou a gravação da proposta e, no desenrolar dos acontecimentos, deixa
de se referir à execução das crianças como barulho e passa a usar expressões
como som e música. No entanto, a professora não havia reparado nesse fato,
bastante notório para quem assiste à gravação com foco em como são percebidos e
interpretados os eventos “som, barulho e ruído” na perspectiva que estamos
apontando aqui. “
Outro
exemplo é o da professora Carla Rodrigues Ávila Garrote da EMEI Maria Vitória
da Cunha. Na proposta desenvolvida por ela com seu grupo, a partir do tema
exploração sonora de objetos presentes no cotidiano, relata: “Nesse primeiro
momento exploraram o espaço da sala, movimentando-se livremente e utilizando os
materiais que quisessem para produzir sons. Rapidamente encontraram o que
queriam e começaram a fazer aquele “barulhão”. Já no relato e avaliação da
proposta seguinte, referente à construção sonora a partir de cotidiáfonos e
instrumentos construídos, usa apenas expressões como: som, resultado sonoro
conseguido, sons pesquisados, apresentação para o grupo com o respectivo som,
dividiram-se em grupos com materiais de sons parecidos, e por aí vai.
Foi muito
perceptível a transformação de perspectiva com relação ao significado desses
termos e as possíveis consequências que podem advir do aprofundamento da
consciência e da mudança de paradigmas do que seja música, produção e
construção musicais, no que diz respeito ao que é reconhecido social e
culturalmente, mas principalmente no que se refere à inserção pedagógica dessas
mudanças na abordagem da ampliação da musicalidade das crianças.
PAISAGEM
SONORA
Liliana
Bertolini
A professora
Ivone Aparecida Lima Freitas, da EMEI Recanto Campo Belo da DRE Capela do
Socorro realizou o “passeio sonoro”, uma proposta para ouvir a sonoridade do
ambiente.
Ela nos
conta sua experiência no relato a seguir:
“A primeira
proposta consistia em parar para ouvir a sonoridade do ambiente. Após a
sensibilização para a escuta dos sons que são ouvidos, na sala de aula de olhos
fechados e relatar os sons ouvidos, as crianças foram convidadas a passear pela
escola e parar em diversos ambientes como o pátio, a cozinha, a secretaria,
para ouvir e relatar os sons ouvidos.
Em seguida,
as crianças desenharam os sons da escola. Por fim, propus que conversássemos
sobre isso na roda de conversa: Quais os sons que vocês mais gostaram? Quais os
sons que foram desagradáveis? E qual foi o som mais forte e o mais fraco que
pudemos perceber durante esse passeio?
A ação
reflexiva construída juntamente com as crianças trouxe uma certa consciência da
qualidade sonora do ambiente e uma possível transformação na direção de uma
melhora da paisagem sonora da unidade escolar. Além disso, envolvem
aprendizagens como o desenvolvimento da memória auditiva, da distinção de diferentes
timbres (qualidades) e intensidades de som, que fazem parte de conteúdos
específicos do Ensino Musical.”
Para essa
proposta foram necessários alguns passos para prepará-la, como pensar qual o
local adequado e em que momento do dia ela seria realizada. Para isso, é
preciso que o professor conheça sua turma e experimente fazer essa atividade
mais de uma vez, em momentos e locais diferentes. No relato
dos
professores de CEI e EMEI que aplicaram essa proposta com as crianças notamos a
surpresa com o envolvimento que elas demonstram e a alegria ao participar da
escuta e comunicar os sons ouvidos por elas. Com o tempo, elas demonstram
incorporar essa atitude da escuta e a manifestam em situações de brincadeira,
roda de histórias, no refeitório, entre outras.
Outro
aspecto importante para o professor é lembrar que a fala e a audição caminham
juntas, e neste momento ele poderá observar se as crianças estão ouvindo bem.
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